quarta-feira, 30 de junho de 2010

QUIRINOS E QUIRINÓPOLIS


[1] Norma Guimarães da S. Ribeiro
[2] Else Guimarães da Silveira

O ronco do pequeno avião sobrevoando o terreiro assustou as vacas no curral, galinhas e porcos fugiram esbaforidos. Depois do avião dar umas três voltas a janelinha se abriu, jogaram um objeto, o bilhete amarrado a um tijolo veio anunciar o falecimento do avô paterno Aristides Ferreira da Cunha, casado com Dona Laura Quirino Andrade.
A presença do avião, a notícia que ele trouxe naquela manhã de 1966, fez com que se abrissem as portas da compreensão, o mundo não se limitava a fazenda onde vivíamos. Do avô, nós os irmãos, mais velhos tínhamos ternas recordações, sentado sobre a cerca do curral de tábua estreita, os dois netos equilibrados ao colo proseando com meu pai enquanto este tirava o leite.
O nosso avô terminou seus dias e foi sepultado em Quirinópolis, lugar distante do qual nós as crianças não tínhamos conhecimento, a não ser de ouvir as conversas entre os adultos. O lugarejo foi assim denominado em homenagem a seu sogro José Quirino Cardoso., que erguera a capela de fortes esteios de aroeira, no ponto central da currutela e sob a qual jaz o corpo do seu construtor falecido em março de 1919.
Homem de espírito empreendedor, destemido e desbravador, assim era o perfil de José Quirino Cardoso, que por volta de 1902 chegou a esta região acompanhado da esposa Francisca Umbelina de Andrade e de sua filha mais velha Ana Francisca e o genro Coronel Jacintho Honório, além de alguns companheiros.
O transporte era o cargueiro, a estrada... trilha muitas vezes aberta a facão, o objetivo fazer riqueza sem deixar de lado a preocupação com o desenvolvimento do lugar e da população que ali vivia.
Já na fase de distrito de Rio Verde, no povoado nascente a família recém-chegada ocupou lugar de destaque pelos trabalhos prestados, iniciativas tomadas em benefício do mesmo, assim José Quirino foi nomeado primeiro Juiz de Paz, o que acabou por levá-lo ao embate que provocou sua morte.
Conta-se que estava trabalhando em sua propriedade, Fazenda Fortaleza, que hoje pertence a duas de suas netas, quando foi chamado para resolver uma contenda. Tia Florípedes contava que ficou chorando, pois não queria que seu pai fosse, temerosa que algo de mal lhe acontecesse, pois afinal já haviam perdido a mãe. Mas mesmo com a mão machucada pelo trabalho árduo, onde se ferira com o peso de um varão de aroeira, madeira esta farta aquela época e de grande importância para as construções não se esquivou, foi ao encontro dos “baianos” acompanhado de Neca Palhares, que havia lhe trazido o recado. Conta-se que o baiano Madaleno adiantou-se do lugar marcado, o que fez com que fossem surpreendidos, atingido com tiros Neca Palhares morreu no local e José Quirino ficou caido. Madaleno também ferido a bala por José Quirino ordenou ao filho que acabasse de matar o seu oponente, que mesmo atirado ainda feriu o rapaz mortalmente.
Baleado e sangrando muito, José Quirino foi bater a porta do então seu compadre Joaquim Timóteo de Paula e dona Olímpia. Noite escura, muitos tiros e confusão, os donos da casa não abriram as portas, pois não reconheceram a voz de José Quirino e não lhe prestaram socorro imediato. Ao amanhecer encontraram o compadre bastante debilitado. Imediatamente, lhe deram o pouco socorro que dispunham.
Coronel Jacintho Honório, seu genro, o levou para sua fazenda, onde o médico foi chamado, mas pouco pode fazer, depois de sete a oito dias José Quirino veio a falecer. Deixando os filhos, Laura, Umbelina, Maria José, Francisco, Ana Francisca, Joaquim, Lourenço, Abílio, Osório, José, Sebastião e Florípedes, órfãos de pai e mãe.
Assim sendo, alguns dos filhos mais novos vieram morar com a irmã Ana Francisca, e o cunhado coronel Jacintho Honório, na fazenda Lageado, juntamente com os filhos do casal. Vó Laura teve um destino diferente, foi levada para Passos de Minas onde foi morar na casa de Saturnino Quirino, seu tio.
Senhor Aristides e dona Laura vieram de Passos juntar-se aos parentes que cá se encontravam. No ano de 1933 cruzaram além dos sertões o Rio Paranaíba, trouxeram no lombo das mulas, juntamente com a mudança os filhos José com dois anos e oito meses e Mário com oito meses.
Assim chegaram à região onde a princípio foram morar na antiga sede de José Quirino Cardoso, onde nasceu Maura a terceira dos filhos. Alguns meses depois se transferiram para a fazenda Ponte Alta.
Pelas férteis terras da região se estendiam as grandes fazendas dos Quirinos. Entre os córregos Fortaleza e São Francisco, bem aos pés da serra Fortaleza, estavam assentados dona Florípedes Quirino de Andrade, casada com Vitor Lopes (Nenê) e seus seis filhos: Maria José, Beatriz, Eleusa, Benone, Lourdes e Rossevelt.
Casa de farturas, de cozinha movimentada, em constante produção de bolos, doces, quitandas, leitoas a pururuca, galinhas e churrasco gordo. Fazenda de grandes lavouras de arroz, milho e extensa plantação de mandioca, banana e tudo o mais que era usual nos quintais daquela época. Numerosas também as famílias de peões nordestinos vindos nos caminhões de “paus de arara”. Interessante era observar aquela família da casa grande encravada nas furnas da serra que vivia em função da terra e estudava as filhas na Capital Federal, recém-inaugurada. Ficou por aqui a Maria José e seus filhos que possuem partes da antiga fazenda onde estão atualmente as granjas MJ, um novo ramo do agronegócio na região. O restante dos irmãos construíram suas vidas em Goiânia, Brasília e Cuiabá.
Mas seguindo o curso das mesmas águas, algumas léguas abaixo do córrego Fortaleza, antiga sede de José Quirino Cardoso, não menos imponente se encontrava a fazenda de outro membro da família, o mais novo dos filhos do pioneiro, Francisco Quirino Cardoso que se casou com dona Natividade Lemos (tia Lotinha). Pais de duas meninas a Maria das Graças e a Francisca que foram moças estudas em Uberaba e se casaram com moços daquela cidade, mas moram atualmente com seus filhos, genros e noras na fazenda que herdaram do pai, dando continuidade ao trabalho deste, um dos maiores proprietários da região e muito respeitado por todos. Nas nossas lembranças de criança era a casa mais importante que conhecíamos, onde haviam grandes festas, se celebravam missas, faziam batizados e casamentos. Ocasião em que íamos pelo meio de trilhas do cerrado juntamente com nossos pais, criançada de pés descalços até o córrego da Tapera, onde nos lavávamos e calçávamos, chegando a sede da fazenda cansados com os pés em calos, mas não menos felizes.
Adentrando ao sertão ficava para além das extensas fazendas do Tio Chico, a morada dos avós Aristides e Laura Quirino, a fazenda Ponte Alta, que também acompanhava o serpenteado da serra, onde se assentaram assim que chegaram de Minas e nasceram os filhos Mozar, Milton, Maria Elza já falecida e Duarte o mais novo.
Os filhos criaram-se com muita luta, o que era comum naqueles tempos de grandes dificuldades, em que só não se produzia em casa o sal, mas tudo o mais das necessidades da família era ali mesmo providenciado, do plantio do algodão a roda de fiar, do tear ao corte da calça, lavada na bica d’água farta com sabão de bola e esfregada com sabugo de milho.
Conta nosso pai que para estudar os filhos os pais os mandavam para a casa dos tios, tinham escola na fazenda do tio Quinca ou do tio Chico, dona Ge, irmã de tia Lotinha era quem ensinava. De manhã escola, depois desta muito trabalho para completar o dia e assim os filhos de seu Aristides e dona Laura, foram se formando na vida, peões no campeio do gado, na labuta da roça, no cabo da foice, na escrita da letra bem cuidada e nas contas de arrobas e alqueires feitas de cabeça.
A estrada hoje patroladinha que liga Quirinopolis ao Arrraial de Ouroana, foi por eles aberta a foice e enchadão como peões ganhando por dia.
No outro lado da serra, as divisas das terras continuam pertencentes aos Quirinos, a fazenda Sobradinho onde reinavam Joaquim Quirino de Andrade e Dona Laura Lemos, pais de seis filhos: José já falecido, Mário, Diniz, Zélia, Saleth e Moacir que ainda conservam a propriedade da família. Exímio conhecedor da lida da fazenda, grande criador de gado de corte e com faro invejável para os negócios, tio Quinca fez fama e fortuna tornando um dos maiores pecuaristas da região.
O filho Sebastião Quirino casou-se com Bertolina Pires Guimarães, filha de tradicional família rioverdense, e fixaram residência na região conhecida por Água Limpa, propriedade esta próxima ao córrego Ponte Alta, vizinhos da irmã Laura. Do casamento nasceram três filhos: Francisco, Guiomar e Aladir que mais tarde se casaram com os filhos do senhor Totonho Jacintho e dona Conceição, Rui Jacintho, Jonas e Tereza já falecida.
Umbelinha (Bilica como era conhecida) casou-se com Marcial de Freitas meio a contra gosto da família, uma vez que este era viúvo, tinha um filho e adorava tocar sanfona. Mais tarde venderam sua propriedade para Sebastião Quirino, seu irmão e se mudaram para os arredores de Goiânia, onde criaram os filhos Aparício e Ailton (falecido) e viram crescer também os netos. Embora o casamento não fosse o desejado pela família, viveram muito bem.
Osório Quirino, filho mais velho de José Quirino Cardoso, casara - se com dona Messias. Com a morte do pai ficou morando na sede da Fazenda Fortaleza, até se mudar para Ituiutaba-MG. É pai de Manuel (Nenê Osório) já falecido, Luzia, José, Milton, Mário e Fernando, moradores daquela cidade e Uberlândia.
Outro dos filhos Abílio Quirino estudava em um colégio interno em Ituiutaba quando morreu acometido por uma forte febre “macaca”, o mesmo aconteceu com seu irmão o Lourenço. Em comum tinham o fato de não terem ficado por estas paragens.
José Quirino de Andrade também não fincou raízes na região pois muito cedo perdeu-se na vida. Conta-se que iniciou no mundo do crime instigado por uma cunhada para vingar um desagravo. Não teve parada a não ser na velhice e já alquebrado pelas dificuldades e pela doença quando terminou seus dias aqui mesmo na cidade. Deixando filhos de dois casamentos sendo falecidos Wilson e Mário, enquanto que Dalva, Laura, Umbelina, Blandina, Lourenço, Ioná, Elizabeth e Cardoso estão espalhados por este mundão de meu Deus.
Maria José casada com Ovídio Correa não teve um destino muito feliz. Moradora da região de Sete Lagoas, seu esposo tinha um caso com uma negra da vizinhança; não tiveram filhos e sofria “acesso”. Segundo contam quando Ovídio voltou do campeio do gado e não encontra a esposa, ao olhar as imediações da cisterna algo lhe chamou a atenção. A cisterna era profunda e toda tomada por samambaias na bordas, Ovídio percebeu as plantas amassadas, viu o balde que era usado para retirar água no chão, desconfiado olhou e viu a mulher no fundo do poço.
Alguns dias depois recebeu um recado de José Quirino, seu cunhado, que viria tomar um café com ele, recado este que escondia nas entrelinhas uma ameaça, ainda mais se tratando de José Quirino. O que segundo contam deixou Ovídio apreensivo, pois o cunhado queria se certificar das causas da morte da irmã. Passados alguns dias este comprovou que realmente ninguém tivera culpa.
A seu tempo, José Quirino Cardoso, foi um empreendedor, pois mesmo em condições adversas, em meio as dificuldades da época, não deixou de lutar por melhorias para a região que escolhera para viver e criar sua numerosa família.
Já era possível perceber o perfil político deste homem que com a ajuda de alguns companheiros e do povo que o considerava o pai da pobreza demoliram a antiga capela que fora construída na baixada e construíram a atual Velha Matriz, na praça Coronel Jacintho Honório. Sem deixar de ressaltar o trabalho como Juiz de Paz que certamente lhe ocupava boa parte do tempo, o que fez com que merecesse a justa homenagem a ele concedida.
Sua família de certa forma trilhou o mesmo caminho, herdando o espírito desenvolvimentista na medida em que foram considerados verdadeiros desbravadores da região, ajudando a trazer o progresso, fazendo nome na pecuária e na política, seu neto Juca Jacintho foi o primeiro prefeito nomeado, em 1944. Embora tenha ficado pouco tempo no cargo, seis meses, lançou as bases da administração, organizou o funcionamento da prefeitura, implantou os serviços públicos, quadro de funcionários, aumentou e inaugurou o campo de avião. Deixou o cargo para se ocupar de negócios particulares.
Outro Quirino na política foi Joaquim Quirino de Andrade, que ocupou o cargo de prefeito em 1955, ocasião em que destaca-se a construção da ponte sobre o Rio Preto, região do Alceu Teodoro, e do Rio das Pedras. Cumprindo seu mandato com dignidade e honradez. Joaquim Quirino nunca abandonou a política, pois mesmo sem ocupar cargo eletivo, sempre esteve ao lado do MDB e mais tarde PMDB local, prestando todo o tipo de ajuda, inclusive financeira. Foi presidente de honra do partido até sua morte. Espaço hoje ocupado por seu sobrinho José Quirino da Silveira, também grande incentivador do desenvolvimento do município.
A família Quirino entre outras foi uma das importantes desbravadoras destes sertões, que aqui firmou raízes com seu pioneiro José Quirino Cardoso, desde 1902. Hoje seus descendentes, herdeiros da força e disposição para o trabalho característica nata desta família se orgulham do nome. E alguns destes, como nós, por exemplo, não herdamos o sobrenome famoso. Ao nascerem os filhos meu pai os registrou em Rio Verde devido as distancias, e o escrivão a época se recusou a fazê-lo, disse que Quirino era nome e não assinatura. Muitos não trazem o sobrenome, mas engrandecem a história de seus antepassados honrando o nome da família no exercício de suas atividades promovendo o progresso da Quirinópolis do presente.

[1] Licenciada em História pela UEG Quirinópolis
[2] Professora do curso de Educação Física da UEG Quirinópolis, Professora da Esc. Esp. Dr. Alfredo Mariz da Costa e Escola Mun. Profª Zelsani